A dança logarítmica da Abelha-Roberta.
Queixa:
Roberta diz:
– ‘um sintoma da contemporaneidade que muito me afeta é a dificuldade de priorizar minhas escolhas… todas parecem ter a mesma prioridade e eu tenho que dar conta de todas elas ao mesmo tempo… Obviamente o resultado não é satisfatório e uma certa angústia me acompanha nesses momentos…
Abelha-Roberta
A primavera acabara de nascer quando toda a colméia, em revoada, partia em busca das inusitadas flores e perfumes da nova estação. Como em toda a primavera, uma nova turma de abelhas havia sido criada e instruída sobre as técnicas de buscas de novos jardins em busca de pólen e néctar. A Abelha-Rainha já havia transmitido através de seus feromônios, pelas antenas das abelhas mais velhas, que estava muito feliz com a chegada da estação das flores e, que esperava ansiosa, pelas noticias da nova turma de abelhas, sobre onde estariam localizados os jardins com maior quantidade de pólen e de néctar.
A Abelha-Roberta mal se continha de tanta felicidade!
Era a primeira vez que a Abelha-Roberta voaria com as outras operárias em busca de tudo aquilo que a colméia precisava: néctar, pólen e água. A estação anterior tinha sido muito severa com as floreiras e as roseiras, e todos os estoques da colméia estavam quase vazios! Por isso, preocupada, a Abelha-Rainha havia ordenado a criação de um grupo super bem treinado de novas abelhas operárias, e esperava que ao chegar da primavera, este grupo pudesse executar uma série de tarefas: voar, descobrir novos jardins, polinizar flores e rosas, colher néctar, trazer água e ainda defender a colméia em caso de ataques das vespas e de outros animais. Era muita coisa para se fazer e todas as novas abelhas-operárias estavam com bastante dificuldade de decidir o que era prioritário e o que deveriam fazer primeiro, e o que era mais importante.
A Abelha-Roberta, ansiosa, estava na primeira fila para o primeiro vôo daquela manhã maravilhosa!
Quatro zangões vigiam a entrada da colméia, quando o primeiro grupo de abelhas-operárias se lançou para tão importante empreitada. A Abelha-Roberta voava velozmente com seus cinco olhos, e seu senso de direção e bussola estavam mais afiados do que nunca. Um primeiro grupo de abelhas logo identificou um pequeno jardim de rosas vermelhas, e voaram rapidamente de volta para a colméia para avisar as outras abelhas. As abelhas são seres inteligentes, elas conseguem identificar seu alvo através da posição do sol e do tempo de vôo entre a colméia e seu alvo. Quando chegam à colméia elas comunicam com precisão matemática a posição que as outras abelhas devem voar para localizar o alvo e trazer mais insumos para a colméia através de uma dança: a dança das abelhas, (e veja aqui também):
A Abelha-Roberta queria achar um jardim muito maior e mais distante para a colméia. Ela queria ser a melhor operária e quando chegasse à colméia queria demonstrar que conhecia muito bem tudo aquilo que fora ensinada: como voar, achar e fazer a dança de forma impecável, tudo era prioritário e deveria ser executado com perfeição.
Numa direção de 30 graus em relação à inclinação do sol, a Abelha-Roberta encontrou um enorme jardim de orquídeas vermelhas, lindas e cheias de néctar. O jardim estava a 120 metros de distância. Voou então de volta para a colméia. Os Zangões abriram passagem e perceberam que a Abelha-Roberta estava lotada de néctar em suas patas e sem sua bolsa corbícula:
– UAU A Roberta arrasou! Disseram os zangões.
A Abelha-Roberta nem ligou, porque estava louca mesmo era para fazer a sua primeira dança!
E assim o fez, abriu um espaço entre as operárias por cima dos casulos hexagonais, onde ficava a pista de dança. Através de sua bússola interna apontou sua cabeça em 30 graus em direção ao sol manteve as duas asas retas para trás e fez a Dança das Abelhas retornando em 12 segundos (1 segundo = 10 metros) em uma dupla hélice perfeita!!
– UAU!! A Roberta dança muito bem! Disseram as abelhas-operárias mais velhas.
A Abelha-Roberta estava muito feliz, e ansiosa, pois queria fazer muito mais!
Uma abelha visita dez flores por minuto, faz em média quarenta vôos diários. Tocando em 40 mil flores (ver link). No final daquele dia a Abelha-Roberta já havia feito muito mais do que isso, havia localizado e trazido para a colméia pólen, néctar e água. Havia encontrado vários jardins em diferentes lugares de onde todo o grupo de operárias pôde trazer muito para a colméia. Mas uma angústia de que podia fazer mais a perturbava: era preciso trazer tanto em pouco tempo, como saber o que era prioritário? Foi quando saiu da colméia num vôo determinado:
– Eu vou localizar todos os jardins de uma única vez!
A Abelha-Roberta estava cansada, meio-tonta, até porque já havia ingerido muito pólen com néctar, e as abelhas ficam meio louconas quando ingerem quantidades excessivas destas substâncias….
A Abelha-Roberta voou, voou e, angustiada, não conseguia encontrar todos os jardins de uma vez, ela só conseguia fazer uma coisa de cada vez: 1 jardim, 1 dança; 1 jardim, 1 dança, 1 jardim outra dança… “sempre assim? Por que?” – ela dizia.
Foi quando uma brisa forte a pegou de frente. Meio atrapalhada, angustiada e até um pouco doidona mesmo, foi jogada para muito alto no céu. Pela primeira vez, suas antenas, suas bussolas, seus cinco olhos, sua probóscide e sua glossa (ver link) não buscavam o fazer, o cumprir, o executar – mas por um momento, a Abelha-Roberta simplesmente olhava placidamente para o céu, e ele era vasto, calmo e tranqüilo.
A brisa passou, e Roberta começou aos poucos a cair. Caiu por alguns vinte e três segundos e então de um susto, como que voltando a si, estabilizou-se. Voava ainda muito alto, mas agora estava sóbria novamente. Olhava agora todo o campo, onde estava situada a colméia, de uma altura em que jamais estivera. Observou de cima os desenhos dos jardins, e de como os jardins de rosas vermelhas se entrelaçavam aos jardins de orquídeas e que, por sua vez, entrelaçavam-se aos jardins de violetas e como formavam assim desenhos geométricos lindos e que poderiam ser dançados de uma forma diferente!
Quando regressou, na pista de dança da colméia, a Abelha-Roberta dançava uma dança jamais vista. Ela se orientava a 50 graus do sol, levantava a asa direita e voltava em 10 segundos para um ponto que não era o do inicio da dança, como de costume. Deste ponto intermediário, abaixava a mesma asa direita e voltava em 5 segundos num ângulo de 30 graus, rebolando muito. Depois levantava a asa esquerda e dançava a 40 graus em 8 segundos rebolando menos e, completava sua dança, abaixando a mesma asa esquerda em 10 graus e mais 5 segundos sem rebolar tanto.
– “Ela enlouqueceu?” Perguntou um zangão.
– “Sei lá, que dança louca mano!” Respondeu um outro.
– “Muito pólen, muito pólen” Resmungavam as abelhas operárias mais velhas, enquanto as matizes, assustadas, se encolhiam ainda mais.
No meio do burburinho, algo inusitado nesses 40 mil anos de existência das abelhas aconteceu. A Abelha-Rainha abandonara o ninho e estava agora na pista de dança! Veio alertada pelas operário-anciãs de que uma abelha novata, a Abelha-Roberta, estava dançando um dança que ninguém entendia.
A Abelha-Rainha mal acreditou no que via:
– “Prestem atenção! O grande momento por mim esperado acaba de chegar! Agora em diante poderemos localizar mais jardins com mais polens e mais néctar de uma vez só! Prestem atenção porque o que todas vocês estão vendo é uma nova dança, é a dança logarítmica da Abelha-Roberta!
– “Dança logarítmica? Como assim?” Cochichava toda a colméia
– “Como vamos decifrar isto?” Resmungavam as mais invejosas.
E a Abelha-Rainha continuou:
– O primeiro movimento indica um jardim de cerejeiras a 50 graus e 100 metros de distancia. Que voe o primeiro grupo! – e um pequeno exército de abelhas voou na direção ordenada.
E a abelha-Rainha continuou
– O segundo movimento indica um jardim repleto de orquídeas a 30 graus e 50 metros de distancia. O terceiro movimento indica a 40 graus a esquerda, distancia de 80 metros um lindo jardim de violetas e o quarto movimento significa a 10 graus a esquerda numa distancia de 50 metros um pequeno jardim de marias-sem-vergonhas. Partam todos os grupos!
Nunca se colheu tanto na colméia da Abelha-Roberta. A nova dança logarítmica da Abelha-Roberta ampliou todos os limites que se lhe havia. Ela e todas as abelhas conseguiam executar mais e melhor no seu devido tempo e prioridade.
Nas outras primaveras que vieram, nas outras colméias que nasceram por muitos anos ainda, a dança logarítmica da Abelha-Roberta fora sempre usada e comemorada. Nos dias de glória da Abelha-Roberta ela respirava tranqüila por saber que suas prioridades e angústias eram na verdade uma benção, um grande incentivo à sua criação, e que através delas havia crescido e se ampliado. A Abelha-Roberta ensinou sua dança a várias gerações de novas abelhinhas-operárias, e as abelhinhas eufóricas no final de cada aula sempre gritavam:
– “Viva a Dança Logarítmica da Abelha-Roberta!”.