A Malabarista e o Trapézio.
Queixa:
Nádia está em dúvida se faz uma mudança em sua vida. Gosta do que faz atualmente, mas acha que é um ciclo que já se cumpriu. Gostaria de se sentir desafiada novamente, mas tem dúvidas sobre fazê-lo e teme com a forma que esta mudança poderia afetar sua vida atual.
Nádia gostaria de novos desafios, e de saber que poderia enfrentá-los para se sentir realizada novamente.
Nádia Malabarista
Começara mais um dia de rotina para Nádia Malabarista no Circo Endeavour. Ela acordara de manhã, havia preparado seu café e já fora adiantando o preparo do seu almoço logo cedo. Fizera tudo como todos os dias de forma a deixar mais tempo à tarde para o treino diário do seu número de malabarista.
Seu número misturava malabarismo e equilíbrio. Ela ficava sobre um rolo de madeira equilibrando-se enquanto fazia malabares com argolas, facas e pratos. Era um número bastante desafiador, mas para Nádia Malabarista havia, com o passar dos anos, se tornado uma rotina. Por anos só exibira o mesmo número. Sua vontade de criar outros números havia sido congelada há muito tempo no passado.
Naquela tarde ao terminar sua rotina de exercícios, Nádia Malabarista, como fazia todas as tardes, passara pela lona central do circo onde os trapezistas, como de costume, ainda estavam ensaiando. Nádia Malabarista os contemplava maravilhada, tomada pela beleza dos movimentos e piruetas fantásticas, em pleno ar, com suas trocas de mãos e saltos mortais inimagináveis. Ah, Nádia Malabarista queria ser trapezista! Sabia que no trapézio se sentiria desafiada novamente. Pensava que, trabalhando com os outros trapezistas em uma nova atividade, poderia voltar a criar novamente, outros números,… para o trapézio! Poderia então sair da mesmice. Voaria pelo ar desafiador e assim voltaria a ser desafiada.
Nádia Malabarista contemplava ainda o ensaio, quando percebeu que num lapso de tempo o trapezista errara o salto e caíra sobre a rede de proteção, que por sua vez havia cedido com a sua queda. Olhando para o chão, Nádia Malabarista vira o trapezista imóvel e a rede, desmontada. Foi quando de repente ouviu um grito que vinha de cima. Olhou estupefata para o trapézio onde o segundo trapezista, desequilibrado, também ameaçava cair para o chão, agora sem a rede.
Foi aí que todos os músculos de Nádia Malabarista explodiram em um reflexo amplamente coordenado; ela correu para as altas hastes de metal onde uma das cordas de sustentação havia se soltado. Agarrara a corda passando-a para baixo do seu corpo, pelas suas coxas, porém este movimento havia levantado a rede apenas timidamente. Percebeu então que a outra corda, da outra haste, também havia se soltado. Nádia, por ser Nádia Malabarista, equilibrou-se sobre os tambores de suporte como só uma malabarista poderia fazer e, enquanto se enrolava ainda mais na primeira corda puxando o máximo possível a rede para cima, conseguiu – com tudo aquilo que os anos de rotina a haviam treinado; a se aproximar da segunda corda, e equilibrada a alcançou.
Nádia tinha agora as duas cordas enroladas no seu corpo que seguiam esticadas até as hastes do trapézio de forma que seus braços, alongados, as seguravam com toda a força. Como a rede ainda não havia se estendido o suficiente, Nádia então começou a correr para trás, de costas, sobre os tamboretes, mais uma vez equilibrando-se – como só uma malabarista-equilibrista poderia fazer; e assim corria e puxava as cordas, levando a rede cada vez mais para cima.
Um grito. Um silêncio. A queda.
Nádia Malabarista percebe que o segundo trapezista desprendera-se. Ela então se posta firme sobre suas duas pernas, o quadril e o tronco encaixados e os braços retesados. Todo o seu corpo, em perfeito equilíbrio, esticava as cordas aguardando o impacto na rede que se encontrava agora a alguns metros do chão.
O trapezista cai sobre as redes, a tensão da queda é distribuída sobre as cordas. Enquanto o trapezista caia sobre a rede ela cedia com o peso dele e Nádia era puxada para frente e depois para o alto em direção ao trapézio, até às hastes, pelas cordas, no seu corpo enroladas. O trapezista se salva com a queda amortecida, Nádia Malabarista está no alto do trapézio descendo equilibradamente pelas cordas amortecedoras.
Pelos dias, meses e anos que se seguiram Nádia se sentia realizada por se saber malabarista. Havia descoberto que todas as potencialidades do seu corpo – desenvolvidas por aquela rotina antes enfadonha; estariam sempre ao seu alcance quando necessárias – e agora, sem as dúvidas e os medos de antes, Nádia vivia amplamente por conhecer-se potente. Havia então criado outros números de malabares, inclusive um para o trapézio com seus admirados – e agora também, admiradores trapezistas, que fizera muito sucesso na história do Circo Endeavour.
Nádia se sentia assim sempre realizada, por haver descoberto que o nosso grande desafio é sempre nos sabermos prontos.